A exigência de idoneidade em cadastro de crédito para fins de contratação de trabalhadores é conduta que se caracteriza como discriminatória, sobretudo em razão de o fator eleito para a distinção ou preferência para contratação não guardar correlação lógica com os fins pretendidos, que outro não é que proteger o patrimônio do empregador, e mais por se tratar de uma prática violadora de diversos direitos fundamentais dos trabalhadores.
Nessa esteira, o poder diretivo do empregador não é ilimitado, sendo modulado pelos direitos fundamentais dos trabalhadores, que são interesses contrapostos que incidem nas relações entre os particulares.
A prática caracteriza medida discriminatória, visto que o fator de distinção utilizado não possui qualquer correlação lógica para a garantia, com eficácia, do resguardo do patrimônio do empregador, caracterizando uma distinção infundada entre os trabalhadores no momento da admissão.
Nesse sentido, a exigência de idoneidade cadastral para fins de contratação se situa em um conflito de direitos fundamentais que opõe os direitos dos trabalhadores e dos empregadores, tais como princípios da dignidade humana (1º, III, da CF/88), da não discriminação (3º, IV, da CF/88), da função social da propriedade (artigos 5º, XXIII e 170, III, da CF/88), os direitos fundamentais ao livre exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer (artigo 5º, XIII, da CF/88), da presunção de inocência (artigo 5º, inciso LVII), ao trabalho (artigo 6º da CF/88), dentre outros, atraindo a utilização da técnica da ponderação de interesses para solução de colisões entre normas-princípios, as quais se caracterizam como mandamentos de otimização.
A conduta não é idônea para os fins pretendidos, pois não constitui garantia alguma que trabalhadores que possuem restrições creditícias são menos honestos do que os que possuem idoneidade cadastral, não havendo qualquer vínculo lógico entre as presunções de que pessoas mais abastadas são honestas e que pessoas hipossuficientes economicamente teriam uma maior propensão à delinquência, colocando o patrimônio do empregador em risco. Em verdade, tal presunção é dotada de elevada carga de preconceito, cristalizando repugnante estereótipo.
Do mesmo modo, mesmo que se considerada idônea a medida, esta não ultrapassaria o subprincípio da necessidade, pois notória a existência de diversas medidas correlatas, mais efetivas, bem como menos invasivas aos direitos dos trabalhadores, tais como instalação de equipamentos eletrônicos, desde que usados moderadamente, para controle do que ocorre no local de trabalho.
Por fim, a exigência caracteriza mais desvantagens aos trabalhadores e à sociedade, fomentando um ciclo de pobreza consubstanciado na acentuação da relação entre dívidas, restrição ao trabalho e incremento do desemprego, do que vantagens a serem propiciadas aos empregadores, os quais possuem meios mais efetivos para resguardar sua propriedade.
Portanto, implacável destacar que a medida não deve ser admitida, indo de encontro aos objetivos fundamentais da República, máxime os de “construir uma sociedade livre, justa e solidária”, “erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais”, assim como de “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”, o que desmerece a cláusula constitucional de solidariedade.